segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Preservação versus Alimentação


Várias pessoas, alguns amigos, explicam que deixaram de comer carne para evitar ou diminuir o desmatamento. Argumentam que para produzir carne é preciso desmatar para plantar pasto e criar bovinos.
Corretíssimo tal raciocínio. Louvo este espírito de sacrifício em favor da preservação da natureza. Agradeço sinceramente pelo esforço.

No gráfico abaixo resumo a forma como ocupamos as terras no Brasil. A Amazônia ocupa pouco mais de 40 % do país e as pastagens (naturais + plantadas) ocupam cerca de 24 % do todo.

É interessante notar que as cidades correspondem à mesma superfície das lavouras (anuais + permanentes) ou a cerca de 30 % da área em pastagens ou ainda à mesma quantidade de áreas protegidas por lei (parques nacionais, reservas e assemelhados).
Voltando à idéia inicial de evitar o consumo de carne com o objetivo de preservar nossas florestas acho que tais amigos, tão abnegados, já podem planejar o próximo degrau a subir em favor da preservação. Sugiro alguns.

Arroz, feijão, milho, soja e trigo, entre outros alimentos não carnais, também são produzidos de forma extensiva em áreas onde antes havia floresta ou outra vegetação natural também digna de preservação. Assim, como um dos próximos degraus, sugiro que se evite o consumo destes e de seus derivados. Lembro que as frutas e hortaliças, embora não citadas, merecem o mesmo tratamento pois são igualmente responsáveis pela extinção de algumas matas.

Quanto à forma de morar, sugiro aos meus nobres amigos outro degrau, que se evite construções em alvenaria, estas consomem grande quantidade de areia extraídas geralmente nas margens dos rios ou em áreas que deveriam ser APP (Área de Preservação Permanente). As alvenarias geralmente ainda usam cimento e cal, ambos produtos não renováveis extraídos das rochas que ocorrem na nossa amada natureza. Já que citei rochas lembro que se deve evitar radicalmente todo tipo de pedra natural pois são não renováveis, tais como mármore, granito, ardósia, ... e até a tradicional pedra-de-são-tomé. Claro que também se deve evitar os tijolos e telhas de barro já que os locais de onde a matéria prima é retirada, a argila, tornam-se verdadeiras crateras irrecuperáveis. Telhas de cimento-amianto não recomendo devido às suas características prejudiciais à saúde dos trabalhadores durante a fase de processamento. As telhas metálicas, também originárias de minérios não renováveis, demandam grande quantidade de energia em sua fabricação, devem ser sumariamente abolidas.

Longe de mim induzir alguém a construir suas casas com madeira, mesmo que oriunda de florestas plantadas, a produção de madeira sempre ocupará ou destruirá alguma vegetação natural que deveria ser preservada. Por falar em madeira lembro que papel é feito de madeira, portanto deve-se eliminar o uso de papéis, mesmo os ditos higiênicos. Todos antes foram árvores.

Quanto à vestimenta, sugiro evitar, por óbvio, o uso da seda, seria uma exploração absurda da pobre mariposa bicho-da-seda. Também porque ela come folhas de lavouras permanentes de amoreiras. Claro que o algodão ocupa extensa área no Brasil, onde deveria ser floresta exuberantemente preservada, assim sugiro evitar toda forma de calças, camisetas, camisas, vestidos, etc., de algodão. O mesmo para o linho, sisal, cânhamo, etc.

Evidentemente que outro degrau a ser galgado deverá ser o relativo ao transporte, se não comemos carne por causa das pastagens fica claro que devemos eliminar o uso da tração animal, mesmo porque os animais não são culpados de nada, porque condená-los a trabalhos forçados apenas para nosso conforto. Deixando os animais sobram as máquinas, mas estas, ainda não inventaram o moto-contínuo, insistem em consumir energia com avidez. Os derivados de petróleo, por serem não renováveis, não podem ser cogitados. A madeira e o carvão evidentemente estão fora de questão. Energia nuclear gera resíduos com os quais ainda não sabemos o que fazer, não sabemos reutilizá-los, nem como estocá-los com segurança. Os combustíveis renováveis como álcool ou bio-diesel devem ser vistos da mesma forma que as lavouras de alimentos, ocupam áreas de florestas.

Falando de energias lembro que a eletricidade é uma forma de energia que ou demanda algum combustível fóssil (petróleo ou coisa parecida), ou urânio sobre o que já conversamos, ou demanda o represamento das águas de rios que deveriam permanecer livres para todo o sempre. Com o agravante de que os reservatórios em geral eliminam toda vegetação natural das baixadas, geralmente APP. Às vezes ainda expulsam alguma população ribeirinha tradicional ou até índios. A fantástica eletricidade, tão útil, aquece o banho, ilumina a noite, pode deslocar nossos automóveis, faz funcionar meu computador, a incrível eletricidade usa em média quase dois mil litros de água para manter acesa por uma única hora uma única lâmpada de singelos 60 watts. Uma família comum usa duzentos milhões de litros de água por ano apenas para manter em funcionamento uma casa simples.

Não coma carne nem use eletricidade.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Guia de Plantas do Planalto do Itatiaia


Um novo livro, um guia indispensável.
Como sou autor do livro Planalto do Itatiaia - Região das Agulhas Negras, achei por bem ajudar na divulgação deste guia que foca o mesmo Planalto do Itatiaia.
Os autores, Izar Aximoff e Katia Torres Ribeiro, são dois montanhistas biólogos que estudam o ambiente do Parque Nacional do Itatiaia.
Ambos são preocupados com a preservação da vida e com a ecologia dos incêndios nas áreas naturais.
O Guia de Plantas tem 224 páginas e centenas de fotos coloridas de excelente qualidade das plantas típicas da parte alta, do Planalto do Itatiaia.
O primeiro parque nacional do país, o Parque Nacional do Itatiaia, completou 75 anos agora, no último dia 14 de junho.
Este Guia de Plantas é um presente, não para este respeitável senhor Itatiaia, um presente para todos nós frequentadores do Planalto.
O Parque do Itatiaia na prática é dividido em duas partes: a Parte Baixa, com hotéis e predominância da Mata Atlântica, e a Parte Alta, ou Planalto, com campos de altitude, afloramentos rochosos e plantas raras.
O Planalto é agreste, diferente da maior parte dos ambientes naturais conhecidos pelo brasileiro comum.
Merece ser mais conhecido.
Este Guia é de altíssima utilidade para os visitantes já acostumados com o Planalto e essencial para os novatos.
Ele inicia com uma interessante introdução com aspectos gerais do Parque e até orientações práticas aos visitantes para atingirem o mínimo impacto sobre a natureza.
Da página 70 em diante começa o Guia para identificação das plantas, nada daquelas chaves complexas de identificação botânica acessíveis apenas aos iniciados.
Izar e Katia tiveram a genial ideia de dividir as plantas do Planalto em flores amarelas, flores brancas, flores vermelhas e flores azuis e lilases. Assim basta achar foto da flor desconhecida, para cada flor aparece o nome da família, a foto colorida, o nome científico e a página onde encontrar mais informações sobre cada planta com outras fotos maiores e mais belas.
Na página 183 começam a aparecer as plantas sem flores, as araucárias, as parentes das samambaias, os fungos, os líquens e as briófitas.
Tudo muito fácil, muito prático e muitíssimo bonito.
O Guia das Plantas pode ser usado, como sugerido acima, para identificação das plantas encontradas no Planalto, para estudo de botânica ou simplesmente pelo prazer de conhecer, aprender e ver belíssimas imagens de plantas e natureza.
Guia de Plantas - Planalto do Itatiaia - O Guia.
Contato: izar.aximoff@gmail.com

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Pode um erro justificar outro?


Em 1959 o alpinista italiano Cesare Maestri, então com 30 anos, disse ter subido pela primeira vez a “montanha impossível” o Cerro Torre, na Patagônia Argentina, em El Chalten. Talvez a montanha mais difícil do mundo. Na descida seu companheiro, o austríaco Toni Egger, morreu em uma avalanche. Egger estaria com a máquina fotográfica e a única prova de terem atingido o cume. Nos relatos de Maestri os últimos trechos da escalada foram guiados por Egger em puro gelo. Se de fato Egger e Maestri subiram o Torre em 1959 este seria o maior feito do alpinismo mundial em todos os tempos.
Até hoje Maestri reafirma sua estória mas poucos lhe dão crédito.
Em 1970, já com 41 anos, para provar sua façanha Maestri retornou ao Torre numa tentativa por outra via. Levou um pesado compressor a gasolina com o que fixou na rocha mais de 300 grampos. Foi uma ousadia para a época, uma inovação, um erro ético. Por sorte do alpinismo mundial uma inovação não aceita, o esporte tomou outro caminho, mais puro, mais artístico, mais natural, o caminho do mínimo impacto, da escalada com equipamentos móveis, ...
Em 1959 ou mesmo em 1970 não havia furadeira a bateria, lanternas de led, sapatilhas, friends, magnésio, etc. Era muito mais difícil que hoje.
Embora isto, em todo mundo ainda hoje persistem vias “ferratas”, com escadas, cabos-de-aço ou correntes fixados na rocha. Na Itália, na França, na Espanha, na Suíça elas são comuns. No Brasil a via Cepi no Pão de Açúcar é toda em cabo-de-aço, na Pedra do Baú existem duas vias com escadas de ferro em toda sua extensão e em Petrópolis existem outras vias com escadas de ferro.
Até hoje nunca ouvi falar em retirar os equipamentos destas vias.
Naquela época, 1970, junto com Rodolfo Chermont e José Carlos, no Rio de Janeiro, retiramos os cabos de aço que existiam nas vias K2, no Corcovado, Galloti e Secundo, no Pão de Açúcar. Era uma quase arrogância juvenil, achávamos que se nós podíamos subir sem os cabos-de-aço todos tinham a obrigação de subir assim. Por outro lado já havia a tendência de escaladas mais limpas, mais naturais, com menos equipamentos artificiais. Mais tarde surgiu o conceito MEPA – Máxima Eliminação de Pontos de Apoio, quando a “regra” passou a ser não se apoiar em nada artificial, nada a não ser a própria rocha.
Mesmo cheia de grampos fixos a via Compressor, no Cerro Torre, como ficou conhecida, só foi repetida em 1979 por Jim Bridwell. É uma escalada dificílima, quase impossível. Foi preciso mais de 40 anos de evolução nas técnicas e equipamentos de escalada para repetir o feito do Maestri sem os tais grampos.
Agora, em janeiro de 2012, 42 anos depois, dois americanos, Jason Kruk e Hayden Kennedy, subiram a via Compressor sem usar os grampos do Maestri, mas fixando outros cinco grampos, e na descida arrancaram mais de 100 dos grampos de 1970.
Os grampos usados por Maestri foram usados por vários dos grandes alpinistas que subiram a extremamente difícil montanha, ainda estão com aparência de novos e poderiam permanecer lá por quase toda eternidade.
Maestri errou, ninguém discorda disto. Mas grande parte dos argumentos a favor da retirada dos grampos é baseada no erro do Maestri. Quase não há argumentos favoráveis à retirada dos grampos que não se baseie no erro inicial da colocação. Não são proposições, são negações.
Pode um erro tão antigo justificar o erro da retirada dos grampos 40 anos depois?
Um argumento um tanto grosseiro que vi dizia que quem for contra a retirada dos grampos que vá lá repor, o mesmo raciocínio vale ao contrário: quem era a favor da retirada porque não foi lá retirar antes?
No alto de paredes quase verticais de mais de mil metros de altura, os 300 grampos com menos de 5 cm cada são invisíveis para quem está na base. Para os escaladores eles eram uma opção, poderiam ser usados ou não, como David Lama que mais recentemente optou por escalar a mesma parede por uma variante sem o uso dos tais grampos.
A existência dos grampos não impede a escalada “limpa”, é apenas uma questão de capacidade e opção.
Os excelentes escaladores americanos adicionaram cerca de 5 grampos fixos e dizem não ter usado os grampos do Maestri em sua subida, porque outros escaladores não terão o direito de usar os grampos deles ou os do Maestri?
A montanha é pública, os grampos nela fixados também se tornam públicos.
Porque não se poderia deixar os grampos lá para apoio em emergências? Eles não atrapalham.
Recentemente se acidentaram o brasileiro Bernardo Collares, em janeiro/2011 no Fitz Roy, e a canadense Carlyle Norman, em janeiro/2012 na Saint-Exupéry, montanhas próximas ao Cerro Torre. Ambos ficaram na parede ainda com vida enquanto o companheiro de escalada retornava em busca de socorro, ambos aparentemente se recuperaram e tentaram descer ou se jogaram. Não estão lá no local do acidente. O resgate nas grandes paredes de El Chalten é difícil, quase impossível, qual o sentido de retirar possíveis apoios?
Agora é tarde, Maestri errou colocando os grampos, os americanos erraram retirando.
Só espero que não se cometa outro erro, que alguém vá lá em cima recolocar os grampos no topo do Cerro Torre.