Em 1959 o alpinista italiano
Cesare Maestri, então com 30 anos, disse ter subido pela primeira vez a
“montanha impossível” o Cerro Torre, na Patagônia Argentina, em El Chalten. Talvez
a montanha mais difícil do mundo. Na descida seu companheiro, o austríaco Toni
Egger, morreu em uma avalanche. Egger estaria com a máquina fotográfica e a
única prova de terem atingido o cume. Nos relatos de Maestri os últimos trechos
da escalada foram guiados por Egger em puro gelo. Se de fato Egger e Maestri
subiram o Torre em 1959 este seria o maior feito do alpinismo mundial em todos
os tempos.
Até hoje Maestri reafirma
sua estória mas poucos lhe dão crédito.
Em 1970, já com 41 anos, para
provar sua façanha Maestri retornou ao Torre numa tentativa por outra via.
Levou um pesado compressor a gasolina com o que fixou na rocha mais de 300
grampos. Foi uma ousadia para a época, uma inovação, um erro ético. Por sorte
do alpinismo mundial uma inovação não aceita, o esporte tomou outro caminho,
mais puro, mais artístico, mais natural, o caminho do mínimo impacto, da
escalada com equipamentos móveis, ...
Em 1959 ou mesmo em 1970 não
havia furadeira a bateria, lanternas de led, sapatilhas, friends, magnésio,
etc. Era muito mais difícil que hoje.
Embora isto, em todo mundo
ainda hoje persistem vias “ferratas”, com escadas, cabos-de-aço ou correntes fixados
na rocha. Na Itália, na França, na Espanha, na Suíça elas são comuns. No Brasil
a via Cepi no Pão de Açúcar é toda em cabo-de-aço, na Pedra do Baú existem duas
vias com escadas de ferro em toda sua extensão e em Petrópolis existem outras
vias com escadas de ferro.
Até hoje nunca ouvi falar em
retirar os equipamentos destas vias.
Naquela época, 1970, junto
com Rodolfo Chermont e José Carlos, no Rio de Janeiro, retiramos os cabos de
aço que existiam nas vias K2, no Corcovado, Galloti e Secundo, no Pão de
Açúcar. Era uma quase arrogância juvenil, achávamos que se nós podíamos subir
sem os cabos-de-aço todos tinham a obrigação de subir assim. Por outro lado já
havia a tendência de escaladas mais limpas, mais naturais, com menos equipamentos
artificiais. Mais tarde surgiu o conceito MEPA – Máxima Eliminação de Pontos de
Apoio, quando a “regra” passou a ser não se apoiar em nada artificial, nada a
não ser a própria rocha.
Mesmo cheia de grampos fixos
a via Compressor, no Cerro Torre, como ficou conhecida, só foi repetida em 1979 por Jim
Bridwell. É uma escalada dificílima, quase impossível. Foi preciso mais de 40
anos de evolução nas técnicas e equipamentos de escalada para repetir o feito
do Maestri sem os tais grampos.
Agora, em janeiro de 2012,
42 anos depois, dois americanos, Jason Kruk e Hayden Kennedy, subiram a via
Compressor sem usar os grampos do Maestri, mas fixando outros cinco grampos, e
na descida arrancaram mais de 100 dos grampos de 1970.
Os grampos usados por
Maestri foram usados por vários dos grandes alpinistas que subiram a
extremamente difícil montanha, ainda estão com aparência de novos e poderiam
permanecer lá por quase toda eternidade.
Maestri errou, ninguém
discorda disto. Mas grande parte dos argumentos a favor da retirada dos grampos
é baseada no erro do Maestri. Quase não há argumentos favoráveis à retirada dos
grampos que não se baseie no erro inicial da colocação. Não são proposições,
são negações.
Pode um erro tão antigo
justificar o erro da retirada dos grampos 40 anos depois?
Um argumento um tanto
grosseiro que vi dizia que quem for contra a retirada dos grampos que vá lá
repor, o mesmo raciocínio vale ao contrário: quem era a favor da retirada
porque não foi lá retirar antes?
No alto de paredes quase
verticais de mais de mil metros de altura, os 300 grampos com menos de 5 cm
cada são invisíveis para quem está na base. Para os escaladores eles eram uma
opção, poderiam ser usados ou não, como David Lama que mais recentemente optou por escalar a
mesma parede por uma variante sem o uso dos tais grampos.
A existência dos grampos não
impede a escalada “limpa”, é apenas uma questão de capacidade e opção.
Os excelentes escaladores americanos
adicionaram cerca de 5 grampos fixos e dizem não ter usado os grampos do
Maestri em sua subida, porque outros escaladores não terão o direito de usar os grampos deles ou os do Maestri?
A montanha é pública, os
grampos nela fixados também se tornam públicos.
Porque não se poderia deixar
os grampos lá para apoio em emergências? Eles não atrapalham.
Recentemente se acidentaram
o brasileiro Bernardo Collares, em janeiro/2011 no Fitz Roy, e a canadense
Carlyle Norman, em janeiro/2012 na Saint-Exupéry, montanhas próximas ao Cerro
Torre. Ambos ficaram na parede ainda com vida enquanto o companheiro de
escalada retornava em busca de socorro, ambos aparentemente se recuperaram e
tentaram descer ou se jogaram. Não estão lá no local do acidente. O resgate nas
grandes paredes de El Chalten é difícil, quase impossível, qual o sentido de
retirar possíveis apoios?
Agora é tarde, Maestri errou
colocando os grampos, os americanos erraram retirando.
Só
espero que não se cometa outro erro, que alguém vá lá em cima recolocar os
grampos no topo do Cerro Torre.